Latina e Revolucionária

Obra de Adriana Varejão

Tenho um quadro na minha parede que diz: Soy Latina Americana, Soy Revolucionária.
Fiquei encarando esse quadro, me senti uma farsa.
Que tipo de revolução tenho feito?
Eu queria mudar o mundo, que pretensão.
O mundo é como uma boneca russa, não é apenas um.
Um mundo dentro de um mundo, dentro de outro mundo, e dentro dele outro mundo, e segue assim infinitamente.

Eu visto uma bandeira, levanto a mão, mostro que tenho um punho. Ando de queixo erguido, visto a armadura das pessoas corajosas. No meu peito ainda sinto medo, mas eles não precisam saber.
Meu coração pulsa e me dá o ritmo de uma música. Penso na canção de Jorge Drexler, e repito mentalmente “Amar es cosa de valientes”.

O que é ser valente?
Nesse momento, é subir essa rua antiga, passar pelas calçadas, ouvir o barulho do tráfego, seguir em frente. Sentir o calor do sol, ignorar o suor que escorre pelas costas assim como qualquer olhar hostil. Hoje, ser valente é seguir em frente, apesar de tudo.
No meu bolso tenho um papel com números anotados, números que até decorei.

Não sou uma pessoa de armas. Eu luto usando minha alma, mente e coração.
Já não sou quem eu era antes, estou em transformação.
Eu sou um mundo dentro de um mundo, dentro de outro mundo, e dentro dele outro mundo, e assim sigo infinitamente.
Queria ter o tempo na mão, queria ter a resposta certa para toda pergunta.
Por enquanto, sei que sou latino-americana, sou valente, meu coração pulsa e preciso seguir em frente.
Eu sou minha própria revolução.

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Alarme: 7h00

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Todo dia, à espera de uma surpresa, ela fazia tudo igual.
Acordava às 7h, tomava um café puro e comia o que estivesse disponível.
Ouvia música enquanto tomava banho, cantava no chuveiro. Às vezes, ainda molhada, se olhava no espelho e se achava bonita, outras vezes ela nem queria se ver.
O caminho para o trabalho era um tempo precioso que ela usava para ler livros e ouvir música. Sempre histórias de amor, aventura, diversão, sobretudo sobre amor. Mas sempre histórias alheias, de outros personagens, de outros tempos, de uma vida que não era dela.
E como ela havia desistido, com o tempo, deixou de esperar. E assim ela já não se lembrava que surpresas só acontecem assim, quando não se espera.

Não é só um batom

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Eu tenho uma coleção de batons de cores escuras e clarinhas. Escolho as cores conforme meu humor. Hoje mesmo usei um nude bem discretinho.
O que mais chamava atenção no meu rosto hoje eram as olheiras e eu não tinha a menor intenção de iniciar uma competição que com certeza meus lábios perderiam.
Hoje é o terceiro dia de um feriado prolongado que tem prolongado também a minha ansiedade. Talvez tenha sido por isso que eu paguei 16 reais em dois brigadeiros, estavam muito bons, mas 16 reais, sabe? Muito normal eu não tô.
Passei boa parte do dia olhando para a tela do celular, esperando por uma mensagem… Mas que mensagem? De quem?
Estou na expectativa por mudanças, mas eu sou dessas mulheres que fazem tudo sempre igual, mesmo quando mudam. Faço com minha vida o que faço com meus batons, vou de acordo com meu humor, e no fim das contas, não quero briga com ninguém.
No entanto, lembro constantemente de uma frase que Wellington Nogueira, fundador do Doutores da Alegria, disse: Todo mundo recebe um dia uma ligação que muda a vida da gente”. Sabe, no fundo eu ainda espero por essa ligação. Enquanto isso, vou pintando os lábios, ora num vermelho Rubi, ora num nude Yash.

Nua

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Eu tirei meu vestido e as meias finas que cobriam minhas pernas.
Tirei meu sutiã e a calcinha que ainda cobriam as partes mais íntimas do meu corpo.
Soltei meu cabelo que caiu de uma forma pesada sobre meus ombros.
Meu rosto não tinha nenhuma maquiagem, não havia nada para me esconder.
Quase completamente nua.
Digo quase, porque você só vai me ver completamente quando entender que um corpo é só um corpo, é um receptáculo que carrega muito mais dentro de si, há uma infinidade aqui dentro de mim que talvez você nunca será capaz de ver.
E isso é uma pena.
Me visto novamente e me torno o mistério que você nunca vai compreender.

Eu sou um livro

 

015 Meu corpo tem marcas.
Nos dedos das mãos, nos joelhos, na barriga, tenho cicatrizes que contam histórias.
Eu leio essas histórias toda vez que fico nua.
Não me envergonho das linhas que preenchem minhas coxas nem dos furinhos que denunciam meu apetite por tudo que é doce.
A vida tem escrito em relevo na minha pele uma parte de tudo que vivo. A outra parte está dentro de mim, e vem à tona com cheiros, com a lágrima derramada no banho, na batida do coração que acelera quando descubro de novo o amor, e no coração que parte quando esse amor se vai.
Eu sou um livro por dentro e por fora, e tudo aqui é história, é romance, drama, comédia, e tudo que ainda está por vir é inédito. Me folheie com cuidado, me leia, ria comigo e de mim, mas não subestime nenhuma linha que tocar. Essa história é só minha.

Meu mundo

As pontas dos dedos na minha nuca desenham um caminho que percorre meu pescoço, deixando um rastro quente que vai descendo, levando até meu colo onde os dedos repousam num lugar onde o coração bate acelerado, desejando cada vez mais. E minhas mãos encontram estes dedos e os abraçam como um polvo feroz faria agarrando sua presa. Te mostro outro caminho, abrindo espaço entre meus seios, descendo cada vez mais onde eu te mostro um lugar onde apenas eu moro, onde todo o desejo do mundo se encontra e pede que este lugar, este mundo seja apenas seu por alguns instantes, aqueles instantes onde eu estarei inteiramente entregue ao seu toque, e que deixarei de ser rainha pra me tornar uma súdita, nesse momento meu mundo todo está em suas mãos.