
O ano era 1998, a casa da família brasileira costumava abrigar uma televisão de tubo.
Não existia fake news, mas existia mentirada mesmo, que era contada boca a boca ou através de revistas de fofoca.
As crianças brincavam de bola na rua, andavam de bicicleta, pulavam amarelinha, compravam cigarros para os seus pais, tios e tias, e às vezes ganhavam as moedas que vinham de troco. Às vezes não ganhavam nada, cumpriam apenas o dever de criança compradora de cigarros – moço, minha tia pediu um free em maço azul – e um adulto de bigode olhava pra baixo e vendia o cigarro sem cerimônia.
Ainda lembro das notas de 1 real enroladinhas.
Os videogames já existiam, mas a gente só via na casa dos primos ricos. Tinha desenho na TV, e a gente via de um tudo. Era Banheira do Gugu, Teste de DNA no Programa do Ratinho, no SBT passava OZ de madrugada, de manhã tinha a Eliana cantando sobre dedinhos e ficava tudo bem. Que loucura esses tempos.
Foi no ano de 1998 que tivemos a Copa do Mundo. O Brasil perdeu, mas a gente se divertiu muito até chegar lá. Tinha jogador com nome de anão da Branca de Neve, tinha o Cafu que era do Jardim Irene, tinha o grande goleiro Taffarel, que no nome já era a própria muralha – ainda posso ouvir Galvão Bueno gritando “sai que é sua Taffarel”- , e tinha o melhor de todos, Zagallo.
Também me lembro que nesse ano o horário eleitoral nos apresentava umas figuras caricatas, e que muitas vezes ludibriavam crianças como meu irmão.
O grito que eu ouvia lá da cozinha, quase como um chamado pra guerra, vinha da TV de tubo:
– MEU NOME É ENÉAS!
O mesmo discurso que me dava um certo medo, fazia meu irmão, três anos mais novo, correr pra sala e gritar junto com o barbudo da direita “MEU NOME É ENÉAS”.
Eles pareciam um só. Uma fenda no tempo separava o velho do menino.
Existia um ar cômico, ninguém levava aquilo a sério, acho que até eu dava risada. Era uma criança imitando um político. Que criança entende de política? Veja no que deu Carlos Pilotto. Ele precisa urgente brincar de tazo. Do que brincam as crianças hoje em dia? Salvem Carlos Pilotto.
E como de costume, a eleição era um evento em muitos lares, assim era no meu.
A gente acompanhava os adultos eleitores, e até apertava os números na urna quando eles davam a permissão.
Era muito divertido.
No dia da votação, minha mãe levou meu irmão, que na época tinha 4 ou 5 anos. E ele foi muito animado.
Ao colocar os números na urna, apareceu outra foto que não era a mesma da imagem que ele estava acostumado a apreciar na velha televisão de tubo, mesmo assim, era a foto certa e minha mãe confirmou, TRILILI.
Isso fez meu irmão sair aos prantos, praticamente carregado pela mãe traidora da pátria do pequeno coração conservador dele. Soluçando enquanto as lágrimas escorriam em seu rosto de menino, ele berrava no meio do colégio “Eu quero Enéas, eu quero Enéas”.
Os sinais estavam todos lá.
Enéas não foi eleito naquele ano. Ele queria ser presidente.
Mais de 20 anos depois, somos nós os adultos. Eu fui pra esquerda, ele foi mais pra direita.
Lembro de Arnaldo Antunes cantando “saiba, todo mundo foi neném”.
Em 2018 quem chorou fui eu. Em 2022, vamos ver…
Domingo tá logo ali, companheiro.